sábado, maio 28

Aonde vao os mortos uma vez que se extinguem?

"Em timidez, para onde dao as janelas pelas quais passamos, velozes, a caminho do conforto dos nossos esconderijos?

Aquelas, abertas em ruína, que através do que nos olha de volta, conseguimos ver bocados do céu que nao é o mesmo que nos esmaga agora.

Para algum lugar dirao.

Em eternidade, para onde viajam os nossos mortos que nos deixaram velozes,
na pressa louvável dos seus esconderijos?

Aqueles, cavados em cor de terra e dentro dos quais vemos as memórias da Luz, que nao é a mesma que nos cega agora.

Para lugar algum dirao.

Em certeza de nada, para lugar comum, dirao.

Em certeza de nada, para lugar algum, dirao.

Em certeza de nada, para lugar nenhum, dirao.

Sendo que estes lugares serao sempre
os lugares mais importantes de toda a nossa existencia."

by Fernando Ribeiro

E estas foram as ultimas palavras de um moribundo agora morto, do qual deixei de poder ter a esperança de conseguir uma ressurreiçao. Do qual agora espero apenas exorcisar. Alguem que decidiu, ao partir, tirar toda a importancia a tudo, mas a assumir que "serao sempre os lugares mais importantes de toda a nossa existencia".
Para si, serao?
Para mim, serao?
Se-lo-ao para alguem?
"Quer eu queira quer nao queira
Esta cidade
Há-de ser uma fronteira
E a verdade
Cada vez menos
Cada vez menos
Verdadeira
Quer eu queira
Quer nao queira
No meio desta liberdade
Filhos da puta
Sem razao
E sem sentido
No meio da rua
Nua, crua e bruta
Eu luto sempre do outro lado da luta
A polícia já tem o meu nome
Minha foto está no ficheiro
Porque eu nao me rendo
Porque eu nao me vendo
Nem por ideais
Nem por dinheiro
E como eu sou e quero ser sempre assim
Um rio que corre sem princípio nem fim
O poder podre dos homens normais
Está a tentar dar cabo de mim
Cabo de mim"

"Nesta Cidade" - Joao Gil

segunda-feira, maio 16

Passados longos tempos de ausencia, volto a visitar o blog, afinal, nao mudou tanta coisa assim. Talvez felizmente, o nosso blog continua a ser um pequenino e nao muito visitado blog, que também nao tem muitos posts. O que permite a que, quando se está demasiado tempo fora, tal como desta vez, se volte a actualizar rapidamente. Assim, aqui volto ao nosso modesto blog que tem já uma idade respeitavel.
A minha ausencia deveu-se, principalmente e mais uma vez, a problemas (se é que se pode chamar assim) da vida mais real. Ainda assim, associada 'a semana academica, fez com que se passassem duas semanas em corrida exaustiva, após as quais apenas me queria entregar ao subconsciente num mundo de sonhos.
Ainda assim, devo dizer que essas semanas podem ter sido muito recompensadoras. Quanto 'a segunda, espero que sim, mas nao o sei ainda.
Quanto 'a semana académica, devo dizer que consegui comprovar que uma serie de emoçoes pode ser provocada por algo que inicialmente nao se parece importante para nós. Assim, tudo ganha os seus contornos e valores, e é certo que no momento que é esperado tudo se desencadeia de forma abrupta e demasiado rapida para que percebamos que arrastamos emoçoes que nos foram impostas por outros, por vezes, de forma extremamente fragil, atraves das suas regras que agora sao nossas, e que agora passam por nos enquanto as arrastamos como um vento e que passa tal como este, num ir e vir ráprido e interminavel. Apenas algo extremamente positivo que me foi possivel viver na semana academica, muitos devem ter percebido o que seria. Mas isso também nao é importante. O que quis dizer é que, por vezes, as nossas regras, pelas quais vivemos podem também ser as de outros se decidirmos encara-las e interioriza-las como nossas. Afinal viver pelos nossos proprios termos pode ser viver pelos termos de muitas mais pessoas, se assim o decidirmos. Por vezes todas as atitudes que conseguimos conceber estao ja tomadas, so escolhemos uma delas, tomando-a, como muitos outros.
Posso assim dizer que viver pelos próprios termos nos é ensinado também e daí tiramos o que queremos para nós próprios. Se viver pelos nossos termos é também pelos de outros, ainda que por vezes numa mistura estranha, a quest?o nem sempre está em definirmos os nossos, mas optarmos também pelos que já estavam formados. Viver pelos nossos termos torna-se entao uma questao nao apenas de criatividade como um permanente apelo 'a decisao enquanto criaçao de nos proprios.

segunda-feira, maio 9

"Os astros, a Terra, esta sala, sao uma realidade, existem, mas é através de mim que se instalam em vida: a minha morte é o nada de tudo. Como é possível?"


Excerto do livro "Apariçao" de Vergílio Ferreira

quarta-feira, maio 4

Trapo

"O dia deu em chuvoso
A manha, contudo, estava bastante azul
O dia deu em chuvoso
Desde manha eu estava um pouco triste.
Antecipaçao? Tristeza? Coisa nenhuma?
Nao sei: ja ao acordar estava triste
O dia deu em chuvoso.

Bem sei: a penumbra da chuva é elegante
Bem sei: o sol oprime, por ser tao ordinario, 1 elegante
Bem sei: ser susceptivel 'as mudanças de luz nao é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Deem-me o céu azul e o sol visivel.
Nevoa, chuvas, escuros - isso tenho eu em mim.
Hoje quero so sossego.
Até amaria o lar, desde que nao o tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Nao exageremos!
Tenho efectivamente sono, sem explicaçao.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? Afectos? Sao memorias...
É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro?
O dia deu em chuvoso

Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coraçao por comer...
Quando foi isso? Nao sei...
No azul da manha...

O dia deu em chuvoso"

by Alvaro de Campos - Fernando Pessoa

Tenho de discordar um pouco no negativismo da chuva. Mas afinal, tudo isso é metaforico (será?), por isso escuso discordar assim tanto!
Um poema do que posso dizer que seja o meu poeta favorito, Fernando Pessoa. Um genio literario com algumas particularidades duvidosas... que apenas o tornam mais admiravel!

terça-feira, maio 3

"A chuva cai
As vidraças gemem
Doloridamente.
...E o campo todo, insensatamente
Apara a chuva sem soltar um ai.


Nem um só lamento?
Tantos, tantos, tantos!...Nem eu sei
Que de lamentaçoes
Andam pelo ar...


Um gemido, um ai
Cai no pensamento;
Tal qual pelo campo
Junta com o vento
Esta chuva canta
E chorando cai."




"Soturno" - Luís do Monte